A reunião estava marcada para as nove. O líder entrou na sala com passos rápidos, olhar fixo e um silêncio carregado. Não houve gritos, nem palavras duras, mas todos sentiram o peso. Um comentário feito de forma mais ríspida, uma expressão de desaprovação que durou segundos e a energia coletiva mudou.
Esse é o efeito invisível que traumas não reconhecidos podem ter. O líder talvez nem perceba, mas suas respostas emocionais carregam memórias e dores antigas que, sem consciência, se infiltram no presente. Como aponta Bessel van der Kolk, o corpo guarda essas marcas e reage a gatilhos como se o passado estivesse acontecendo de novo.
Quando isso ocorre na liderança, o impacto no time é imediato. Pesquisas recentes mostram que estados emocionais do gestor influenciam diretamente o nível de estresse e engajamento da equipe, independentemente da carga de trabalho real. O tom de voz, a linguagem corporal e até a forma como se reage a erros funcionam como sinais para o grupo sobre segurança ou ameaça.
Gabor Maté lembra que trauma não é apenas o que nos aconteceu, mas o que aconteceu dentro de nós como resultado. Um líder que carrega feridas não tratadas pode reagir com rigidez excessiva, controlar de forma microgerenciada ou evitar conversas difíceis, e tudo isso cria um ambiente de tensão. Com o tempo, o time passa a trabalhar mais para evitar provocar reações emocionais do que para inovar ou colaborar.
Rachel Yehuda, especialista em trauma intergeracional, aponta que padrões emocionais se reproduzem nos relacionamentos, inclusive profissionais. Assim, um líder que aprendeu a lidar com conflitos de forma defensiva ou agressiva tende a perpetuar esse modelo, comprometendo a comunicação consciente e minando a saúde mental coletiva.
Os resultados práticos dessa dinâmica não demoram a aparecer. Queda no engajamento, aumento de rotatividade, mais erros por falta de diálogo aberto e até aumento de licenças médicas relacionadas a ansiedade ou burnout. A performance sofre não porque o time não tenha competência, mas porque o clima emocional não oferece segurança psicológica para que o melhor de cada um apareça.
Por outro lado, líderes que reconhecem seus gatilhos e buscam apoio para processá-los conseguem transformar vulnerabilidade em força. Admitir que não está bem, explicar que determinada reação não foi sobre o trabalho, mas sobre algo pessoal, e aprender a regular o próprio estado emocional são gestos que preservam a confiança.
O caminho para essa transformação envolve autoconhecimento e prática. Observar as próprias reações antes, durante e depois de interações importantes. Reconhecer padrões repetitivos e buscar compreender suas origens. Adotar práticas de regulação emocional, como respiração consciente, pausas e supervisão de pares. Procurar terapia ou grupos de apoio especializados em trauma.
Um líder que cuida das próprias feridas cuida, indiretamente, do bem-estar e da produtividade do time. E como lembra Bessel van der Kolk, cura não significa apagar o passado, mas encontrar novas formas de viver com ele.
No fim, liderar é influenciar, e essa influência vai muito além das metas e indicadores. Ela está no clima que você cria, na segurança que transmite e na forma como suas próprias histórias moldam o presente do grupo. Traumas não reconhecidos podem ser um peso silencioso, mas traumas trabalhados podem se tornar o alicerce de uma liderança mais consciente, saudável e inspiradora.