Identificar como nos posicionamos em cada situação é fundamental para construirmos relações mais saudáveis, promovermos o respeito mútuo e contribuirmos para ambientes com poder horizontalizado
Em função das diversas e diferentes demandas que o mundo está impondo, defendo claramente um movimento de redução da concentração do poder que o modelo hierárquico incutiu em nossas cabeças. Esta horizontalização do poder, que deve estimular uma postura mais protagonista do colaborador, não é tarefa fácil, já que lutamos com um modelo repetido a quase 100 anos. É tão comum que leva gestores e colaboradores a não perceberem a sua existência. Mas a concentração de tempo do gestor em questões operacionais, a falta de sucessores preparados e a dificuldade de se ver colaboradores defendendo com afinco ideias diferentes das de seus gestores são alguns dos sintomas incontestáveis a este fenômeno. Pense com carinho: não existe pelo menos uma das três evidências comentadas acima em sua empresa?
Para que haja a mudança, várias coisas precisam se transformar na cabeça de gestores e de colaboradores, afinal, “a mudança é uma porta que se abre por dentro” (Terry Neil).
Então, vamos lá: você acha que o gestor vale mais que o colaborador? Você se considera uma pessoa otimista ou pessimista? Vê o copo meio cheio ou meio vazio? Consegue perceber quais são os pontos fortes do seu colega de trabalho, da sua equipe, dos seus familiares? E os seus? Podem parecer perguntas simples, mas a postura que assumimos diante de nossas relações, com os desafios e oportunidades que nos deparamos em nossa jornada, podem ser determinantes para atingirmos nossas metas e objetivos.
O conceito que temos das pessoas que nos rodeiam, do mundo e de nós mesmos é construído durante nossa formação. Desde os primeiros contatos com os cuidadores (mãe, pai, avós, irmãos) vamos armazenando informações e essas primeiras relações formam a base do que iremos construir a seguir. Conforme crescemos e nos relacionamos cada vez mais, os primeiros vínculos que criamos na vida, como fomos tratados, o que presenciamos, ouvimos, trazem um significado, um valor que irá refletir na forma como nos relacionamos, embora a maioria das pessoas não se dê conta disto.
Ao estudar a personalidade humana, o psiquiatra Eric Berne explicou que podemos nos vincular de quatro formas predominantes e que aprendemos isso em nossos primeiros anos de vida. Este modelo demostra (explicando de forma simplificada) o valor que atribuo a mim e o quanto valorizo o “fora de mim”, ou seja, outras pessoas e o mundo de forma geral. Estes quatro tipos são denominados Posições Existenciais. Todos nós oscilamos por estas quatro formas variando conforme as situações e períodos em que nos encontramos, mas sempre uma delas é predominante em cada pessoa. Para simplificar, usamos símbolos para cada uma das 4 posições existenciais: +//+; +//-; -//+ e -//-. O primeiro sinal se refere sempre a imagem que a pessoa tem de si mesma, e o segundo é como a pessoa vê o outro ou as coisas, como por exemplo a empresa em que trabalha.
A posição existencial mais saudável é chamada Mais Mais, ou +//+. Quando as pessoas estabelecem o vínculo +//+ percebem que têm tanto valor quanto as outras. Um gestor Mais Mais reconhece que todos têm o mesmo valor como pessoas, da faxineira ao presidente da empresa, incluindo a si mesmo. Esse indivíduo se valoriza e se respeita, faz valer o seu desejo ao mesmo tempo que tem o mesmo respeito em relação aos outros. O Mais Mais tem uma boa autoestima e facilidade em lidar com os próprios erros e os erros dos outros. Como tem esta visão de si e dos outros, busca estabelecer relações de ganha-ganha. Geralmente, são os profissionais mais realizadores porque colocam a mão na massa e fazem acontecer, já que acreditam em si, nos outros e, por isso, também pedem ajuda quando necessário.
Já a pessoa Mais Menos (+//-) é aquele modelo tão conhecido de quem se julga melhor que o outro. Só enxerga os defeitos do outro, sendo bem mais generosa com os seus próprios. Pode agir de forma desrespeitosa, até mesmo agressiva, sem considerar outras opiniões e pontos de vista. Como líder, toma quase todas as decisões pela equipe com receio de que, se não assumir, os colaboradores podem ser equivocados em suas escolhas.
É conhecido pela “Síndrome da Branca de Neve” – ele é a Branca de Neve e todos a sua volta são os anões que dependem dele. Muitos nessa posição reclamam que estão sobrecarregados, e não enxergam que os outros poderiam se desenvolver e resolver as coisas com autonomia. Por agir assim, acabam inibindo o desenvolvimento da equipe, o que reforça ainda mais a ideia de que, sem ele, as coisas não sairiam corretas. Raramente uma pessoa Mais Menos percebe que age como age pelas razões aqui explicadas. Certamente achará boas explicações racionais para justificar suas atitudes.
A terceira posição é a Menos Mais (-//+), o oposto do anterior. São pessoas com baixa autoestima, inseguras, que acham que a capacidade dos outros é superior. Costumam julgar suas realizações como “normais” e valorizar as dos demais. O profissional Menos Mais pode ter pouca iniciativa e ser conformista. Como gestor, lidera normalmente sendo o “legal”. Não se sente confortável com a autoridade legítima que o cargo lhe dá. Não consegue ser assertivo, tomar decisões impopulares mesmo sabendo que elas às vezes são o certo a se fazer. Acha que não pode influenciar as mudanças da empresa. Em algumas situações, não busca resolver os conflitos que têm com pares. Leva os problemas para a diretoria ou ao presidente, como crianças que brigam com os irmãos e acionam o “papai” para resolver.
Este é um dos conceitos que embasa o machismo. Quantas mulheres se sentem Menos em diversos tipos de relações? A mulher é colocada em uma posição Menos Mais ao ser considerada para cargos mais baixos, quando não recebe a mesma remuneração que um homem ao ocupar a mesma posição ou então quando se destaca porque “age como homem”, tendo o mesmo posicionamento de superioridade com relação aos colaboradores.
Por fim, o Menos Menos (-//-). “Oh Céus, oh vida, oh azar”. A hiena Hardy, do desenho Lippy & Hardy, é a dona desse bordão que se encaixa para as pessoas Menos Menos que, assim como citei no modelo anterior, possuem baixa autoestima e tem uma postura negativista. A diferença é que aqui ela também não acredita no próximo. Se vê com menos valia e, da mesma forma, o mundo. O profissional Menos Menos é o mais resistente a mudanças, nunca tem disponibilidade para aprender, desqualifica suas qualidades e as da equipe e é pessimista na maior parte do tempo.
Quando um gestor está atuando nesta posição, julga que não está qualificado para a função, que a equipe também é ruim e só enxerga os defeitos da empresa. É pessimista em relação ao futuro desta e não acredita que possa contribuir com mudanças, nem ele e nem ninguém. Tende a gerar apatia e um clima terrível na equipe.
Tanto na vida profissional como na pessoal circulamos pelos quatro modelos com frequência. Algumas situações nos estimulam a assumir uma postura que se enquadra melhor em determinado padrão para uma ocasião específica. Nos relacionamentos também podemos ser estimulados, como ao conversar com uma pessoa Mais Menos nos tornarmos Menos Mais e vice-versa. Conhecer esses modelos mentais e saber identificar as características de cada um é fundamental para poder reconhecer as atitudes e mudar nossa mente para um modelo mais favorável.
A relação dos líderes com os colaboradores precisa ser repensada em grande parte das empresas. Ele é o líder por que é melhor que os demais? Ou por que têm as características necessárias para essa posição? Cada um é melhor em uma atividade, todos são complementares e a hierarquia de certa forma acaba podando isso. Todos devem ser reconhecidos por suas competências e serem estimulados a desenvolverem novas habilidades, com autonomia e confiança. Isto gera um ambiente de autoconfiança e, consequentemente, de maior desenvolvimento e engajamento.
O gestor que consegue trabalhar com essas posições e se manter como Mais Mais na maior parte do tempo ganha a admiração das pessoas e é reconhecido como justo, seguro, humilde, além de desenvolver o potencial dos colaboradores. Para isso, é necessário estar atento e manter a postura desde a contratação até o desligamento, afinal somos todos seres humanos, mesmo que tenhamos conflitos ou divergências.
Ao executar conscientemente essa regulação de percepção de mundo, construímos relações mais saudáveis e contribuímos para ambientes com poder horizontalizado, nos quais os colaboradores se respeitam e perpetuam isso tanto com o gestor, como entre a equipe. E, você, como se vê e como vê sua equipe?